Aos 16 anos entrei no Kenpo, a Arte Marcial da qual hoje sou Instrutora. Aos 26 conquistem o meu primeiro cinturão negro e aos 27 anos abri a primeira escola de Kenpo no Porto, cidade que acolhi como a minha morada. Nunca tive interesse nas artes marciais, mas elas mudaram a minha vida. Sempre adorei dançar esta melodia e como Nietzsche escreveu “os que dançavam foram considerados loucos por aqueles que não ouviam a música”
Quando eu tinha cerca de 10 anos, fui assistir a uma aula de Karaté e era dia de treino de combate, de Kumite. O meu vizinho, que já era praticante, levou-me a assistir porque os meus pais achavam que as artes marciais me poderiam ajudar. Nascida em Novembro, era sempre a mais franzina na escola e a minha timidez natural, fazia com que eu me sentisse uma criança insegura e várias vezes ao longo da minha juventude, fui alvo de um expressão que hoje em dia se ouve muito, bullying.
Sempre adorei desporto, pratiquei inúmeros desportos e até futebol de cinco joguei mas quando me falavam das artes marciais, não havia nada que me cativasse a não ser mesmo as tartarugas ninja, que ainda hoje permanecem no meu imaginário. Ninjas sim, sempre me cativaram…..
E por isso, quando um amigo de infância me desafiou a ir assistir umas aulas de Kenpo, eu perguntei, Ken o quê?
Ele estava fascinado com o que praticava, dizia-me que praticava o equilíbrio, que era uma atividade que lhe dava muita consistência física e mental, que definitivamente a prática daquela arte marcial lhe tinha feito despertar para algo totalmente diferente. Falava de conceitos que nunca o tinha ouvido falar, como energia, yin e yang, mokuso…. Aquela arte marcial deveria ser mesmo diferente, nunca o tinha visto assim… e depois de tanto insistir lá fui assistir ao treino. Quando lá cheguei, fiquei desde logo fascinada com o quimono preto, o Gi, e pensei “Ah, os ninjas existem mesmo”…. Mas o que mais me cativou foi muito para além do Kimono. Desde logo o Instrutor, o “Sensei”, incutia um ritmo que nunca assistira, proporcionava exercícios fisicamente exigentes, desafiantes e até divertidos. A formalidade japonesa e o silêncio da saudação, contrastava com a dinâmica dos movimentos ao longo do treino.
Fui assistir a mais 4 treinos, como que para influenciar a mente quando na verdade o coração já sabia o que iria acontecer. Foram 4 treinos para me preparar psicologicamente e, acima de tudo para aprender a fazer flexões. Num mundo tipicamente masculino, eu não queria ser considerada “a menina que não sabe fazer flexões”, o nível de exigência física era mesmo muito grande e eu queria sentir-me à altura do desafio. Conhecem a expressão, sê uma mulher mas combate como um Homem? Foi o início de uma longa caminhada, cheia de obstáculos e de alegrias, de amizades e encontros, de derrotas e muitas vitórias.
O caminho das artes marciais deu-me, sem qualquer dúvida, mais destreza física e acima de tudo confiança emocional. Após as primeiras aulas, senti que os maiores obstáculos estão na nossa mente e que com a dose de incentivo certa, podemos alcançar resultados nunca antes sonhados…. Passei de uma menina frágil, insegura e susceptível a uma menina dócil e gentil mas com muita Atitude. As aulas permitiram-me aprender que não podemos desistir ao primeiro obstáculo e que só quem se dedica o suficiente e estiver disposto a ultrapassar os seus próprios limites alcança o sucesso. Sempre, com uma boa dose de disciplina. Os treinos passaram a fazer parte da minha rotina. A cada treino que passava, sentia que estava mais segura, mais confiante e que os exercícios que inicialmente me pareciam quase impossíveis, passavam a ser ultrapassados. E melhor que tudo, tinha o apoio incondicional de todos os meus colegas de treino. De tudo, o ambiente amigável e de apoio incondicional era o que mais me cativava. Encontrara uma nova família, que partilhava o gosto pela prática desportiva e acima de tudo, pelo ritual marcial.
Entrei com 16 anos, estava no 12º ano. Um ano super exigente, eu a querer dar o máximo para entrar numa das melhores universidades do país e mesmo assim, faltar aos treinos não era opção. Quando o fazia, o tempo não rendia e a frustração de ter faltado era altamente desincentivadora de qualquer estudo. Até isso consegui aprender. Faltar a um treino na véspera de um exame era algo que não me beneficiava. O treino passara a ser um ritual de meditação em movimento. Assim que vestia o meu kimono, eu assumia a pele de kenpoca e nada mais preenchia a minha mente a não ser o foco na prática.
Foco, determinação e gestão do tempo. Passei a focar-me e a ser mais produtiva, dado que tinha inúmeras atividades e o tempo não era o mesmo. A motivação que sentia em cada treino, dava –me ainda mais energia para ser assertiva nas outras atividades e não perder tempo com o acessório.
Com este ritual marcial e com esta nova família, encontrei pessoas interessadas pela sua saúde física, mental e emocional. E comecei a entrar em outros universos. O universo da energia, o aprender a cuidar do corpo de forma terapêutica. De cada vez que alguém se magoava (e felizmente, nunca era nada de especial), observava que o Sensei imediatamente fazia uns movimentos que desconhecia. No final das aulas, gostava de ir falar com ele, sempre rodeado dos seus alunos a fazer perguntas:) perguntava que técnicas eram aquelas e o Sensei, sempre com o seu sorriso, dizia “são técnicas secretas”…. as suas respostas aguçavam a minha curiosidade. Foi-me dado a conhecer livros que falavam da energia, como a Profecia Celestina de James Redfield. E a minha curiosidade sempre a aumentar. Passados 4 anos, aos 20, iniciei-me na jornada do Reiki. Um dos meus rituais preferidos que nunca mais me deixou.
Aos 24 anos decidi que para aumentar as minhas competências nas artes marciais, para poder ajudar o Sensei e acima de tudo para ter mais informação para mim própria, deveria aprofundar os conhecimentos na massagem japonesa, já que o Kenpo tem uma forte influência japonesa. E eu sempre adorei massagem, mas esta era diferente. Esta permitia-me obter informação sobre como vários pontos ao longo do meu corpo se relacionam com os meus órgãos e ainda, permitia-me trabalhar as minhas próprias maleitas. Então, se ao início queria aprender para poder ajudar os outros, esta prática serviu essencialmente para ajudar-me a mim própria…
A par da aprendizagem com estas terapias, aprendi a trabalhar sobre pressão. Como? Eu nunca queria passar de cinto, não queria ser exposta, com imenso medo de não saber, de me enganar ou simplesmente de ter uma branca. E as palavras do Sensei eram sempre as mesmas: “não vais fazer nada mais do o que fazes nos treinos. Cada treino é uma prova…” as palavras eram encorajadoras, mas a pressão continuava lá. E aqueles momentos não eram nada mais do que simples provas de resistência, provas de superação, de que por muito medo que possas sentir, apenas teria de confiar, respirar e dar o meu melhor. E o saber que não estava sozinha era, ao mesmo tempo, bastante apaziguador. Os meus exames mais inesquecíveis foram também os que marcaram etapas. O primeiro, de cinturão branco para amarelo, para o qual treinei horas a fio no jardim mesmo em frente à minha casa de então, na “quintinha”. Esses treinos eram inesquecíveis. Os treinos na quintinha, com a minha tribo, para os exames….. Os mais marcantes: o primeiro exame, o primeiro para conquistar o cinturão negro, para o 1º Dan , e para o 3º Dan (o terceiro cinturão negro), 3 meses após ter sido mãe pela segunda vez. Quando alcancei a etapa do cinturão negro, o Sensei deu-me um abraço ainda mais caloroso e disse…. “é a partir de agora que vais realmente começar a aprender”…. e eu, na minha mente brincalhona pensei “então o que andei 10 anos a fazer”… mas foi mesmo a partir daí que comecei a aprender, verdadeiramente.
Hoje sei, por experiencia própria, que o local onde reside o meu maior desconforto é também o local onde reside a minha maior oportunidade. E a maior aprendizagem deste meu percurso nas artes marciais foi aprender a ter mais coragem e a confiar em mim própria, ouvir os meus sentimentos, acreditar na minha intuição e aceitar que o que mais me assusta, é o que mais me permite crescer e tornar-me uma pessoa melhor…. precisamente aquilo que o Sensei dizia…. o Kenpo permite-te ser uma pessoa melhor.